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L'Officiel Hommes Brasil - Collabs

Collabs para L'Officiel Hommes 

Comme des New Yorkers
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Hector Bisi e sua imersão 
na Comme des Garçons

Superfã de Rei Kawakubo e da Comme des Garçons, escritor Hector Bisi relata (numa crônica que desafia convenções) sua imersão nos fantásticos universos da loja e da exposição dedicadas à marca em NY.

05.06.2017 por Hector Bisi

Comme des New Yorkers

Paris me dá vontade de beijar. Nova York, de ganhar dinheiro. Mas toda vez que chego em uma delas a primeira coisa que faço é me jogar numa loja da Comme des Garçons e seja o que my God ou mon Dieu quiserem. Em NY minha atração-perdição-turística fica na rua 23 com a Décima, uma townhouse toda pichada que ninguém dá nada até achar o túnel branco da entrada e, Hi, How are you?, uma japonesa de 65?, 70 anos?, me recebe e não há muita gente por lá além dos vendedores, só mais duas japonesas que parecem jornalistas de moda e uma delas segura uma blusa com as mãos enquanto um fotógrafo, precisa dizer que é japonês?, clica, clica, clica e então começo minha excursão pelos paletós e casacos, desta vez mudei de roteiro, sempre começo pelos sapatos e tênis, e dou de cara com um paletó-saia piro pelo paletó-saia preciso ter o paletó-saia e vou para o provador e madame 65, 70 anos me acompanha, Yeah, I'm brazilian, um brazilian fan de Rei Kawakubo.

Rei esteve aqui ontem. Whaaat? E madame 65, 70 anos abre um pouco a sua boca japonesa e mostra um pouco dos seus dentes japoneses, Brasileiros estão vindo cada vez mais aqui na loja, e aí pronto, tiro o celular do bolso e mostro uma foto do meu Instagram em que estou com um casaco verde-militar CdG Shirt que tem as costuras desfiadas e madame 65, 70 anos fala de primeira o ano da coleção e eu me megablasterempolgo e mostro outra foto, agora do meu sapato CdG Homme Plus que só usei umas três vezes porque prefiro ficar olhando pra ele ali, quietinho na sapateira de casa, Teu sapato não merece as ruas, um guitarrista amigo meu entendeu tudo, e madame 65, 70 anos acerta de novo, 2011, isso, 2011. Ficamos felizes em saber que temos um fã como você.

Oh, bravo, essa peça ficou perfeita. Sim, esse paletó-saia foi feito pra mim, madame 65, 70 anos. Saiba que Rei desenhou pessoalmente essa peça. Não me torture, não me torture, e ela diz que está há 31 anos na Comme des Garçons e que não tem Insta e que eu sou louco, isso ela não disse mas deve ter pensado, porque eu continuava mostrando meu Insta e ela não tem Insta só aquele sorriso japonista-futurista que combina com o mundo particular criado por uma mulher de 74 anos que talvez não tenha Insta, lançou a marca em 1969 e esteve ontem na loja, Você precisa ver a exposição de Rei no Met. Claro, é por isso que estou em Nova York. Diga a Rei que, que, diga alguma coisa, tá?, e quando já tinha decidido deixar minhas calças e levar o paletó-saia minha mulher Yanne traz um sobretudo cinza pra mim, metade do preço do outro, Não é uma peça tão exclusiva, my dear brazilian fan. Ah, madame 65, 70 anos, nós ainda temos quinze dias pela frente para almoçar. Levo o sobretudo e prometo a Tomoko que vamos voltar.

Estou no museu Metropolitan em um sábado, dois dias depois da abertura oficial de “Rei Kawakubo: Art of In-Between” e um dia depois da grande chuva da manhã em Manhatã, silêncio no ambiente por favor, diga lá cante lá Cazuza, minha trilha sonora de noites americanas, e os sonhos de Kawakubo substituem os sonhos de Kurosawa na minha cabeça pilhada e as salas estão lotadas, pqp, me sinto como se a minha banda indie preferida tivesse virado uma empresa tipo Rolling Stones, e na exposição só há vestidos, vestidos?, cento e tantos looks do que quer que sejam aquelas estruturas volumosas, disformes, algumas com jeito de inacabadas, outras com um je ne sais quoi de Tim Burton ou dos parangolés do Oiticica, quem veste isso?, Kawakubo não se importa, não quer vestir ninguém, quer transformar a mulher em uma divindade para o bem ou para o mal, seguindo o mesmo princípio do dândi que nunca se admira, se deixa admirar.

Oscar Wilde usaria Comme des Garçons, o cardeal Richelieu também, Belo Brummel, o maior de todos, inventaria um jeito diferente de usar. Mae West seria ainda mais má em um vestido CdG mas Marilyn não seria Marilyn em um deles. Me sinto um sortudo de viver em tempos commedesgarçonianos. Não me interessa se o que vejo aqui é arte, moda ou viagem de ácido. Rei É a tendência, a dona da porra toda. E como ninguém mais tira foto quando viaja, produz conteúdo, Yanne garante as nossas.

Na saída compro o livro da mostra, em que madame Kawakubo conta suas divergências com o curador da sua retrospectiva e não, ela não queria fazer uma retrospectiva porque olha sempre pra frente e sim, ela teve que ceder, e o pop up supermarket Comme des Garçons vende camisetas, vestidos básicos e perfumes para hordas de consumidores alucinados por um pedaço do sonho nipo-americano, e agora é Jay-Z e Alicia Keys que me perturbam com “Empire State of Mind”, sorry Sinatra, agora são outros refrões, outra New York, Concrete jungle where dreams are maaaade of, e até dia 4 de setembro, último dia da exposição, Nova York tem Rei.

*Escritor, autor de “Copacubana” e comme des garçonsmaniac, Hector Bisi finaliza seu 
próximo romance: “O Belo Patrick e a Rua dos Garotos Maus”.   











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